sexta-feira, maio 28, 2010

Ausência do verbo *

Neste instante me vejo muda, calada, ausente de palavras e símbolos, perdida de significados. Qualquer instrumento afinado para tocar, descrever o momento. Notas surdas silenciam. Contemplação. Céu escuro pontilhado de estrelas. Infinitude. O ser desperto alça vôo e contempla sua própria eternidade. Mergulha no azul da prússia do universo, viaja a mais longínqua galáxia e traz poeira de estrela no bolso da alma. Quem somos e o que fazemos das nossas culpas, dos remorsos e todos quereres, tudo, tudo se perde neste abraço perfeito, na dobra do corpo que recebe o beijo. O caminho de volta para sempre perdido nas encruzilhadas das curvas, nos declives dos montes e bifurcações.

Cavalgada no prado, capim gordura que ondula, cheiro de mato, rocio cedo que umedece a face. O cavalo veloz imprime velocidade e voa no vento. Na corrida urgente carrega cabelos, boca, a mão que afaga a face. Beijos alados, doces, suaves, do sabor da flor, do amor, da paixão que vicia. No céu azul teu olhar na lua branca luzidia.

Quando a noite se esconde e as estrelas repentinam se apagam, os corpos no caminho se perdem. Na perdição dos sentidos, a respiração trôpega se corta e entrecorta, suspensa lança os corpos em fuga, cúmplices das sombras mudas. Fogem alados os dois aliados, voam alto bem alto, puros e inocentes voltam ao paraíso, de onde foram há muito deportados, e agora retornam, à casa, finalmente, perdoados. Parceiros da louca aventura em caminho acidentado. A nau sem porto que resgata o branco da espuma da onda que finda na praia. Viagem louca, caravana sem pouso, itinerante, de países perdidos e mares distantes. Seres encantados de contos de fadas, habitantes de cavernas e grutas escuras, despertos da hora convidam a celebrar.

Não quero voltar, me deixe lá, me abandone ao relento, perdida nas pedras, na areia, abraçada ao tronco da árvore, carvalho em flor. Quero ficar esquecida, esquecida de mim, da vida, perdida neste espaço de tempo nano eterno da minha pequena morte. Ah me deixe morrer, a morte é doce e nela me encontro.


Abro os olhos e nos vejo, abraçados, a representação do mais belo, estética divina, pintura, musica e toda poesia. Afinal, compreendo e sorrio tranqüila, agora sei, para este momento o verbo ainda não foi inventado.


(*) Reeditado

segunda-feira, maio 24, 2010

Sede *

A estrela que brilha na borda da taça de cristal
É rubra

Luz que tremula na transparência
Lança cor no branco da toalha de linho
e deixa um rastro tinto
De vida e paixão

Não tenho sede de um copo de vinho
Tenho sede de ti
De beber-te inteiro
Sorver gota a gota
Feito vinho mais precioso
Quero beber todos seus líquidos
Quero beber pensamentos
Emoções e gestos
Quero beber teu cheiro
Tua risada
A ruga do canto dos olhos
Tuas lágrimas
Para jamais vê-lo chorar

Quero beber você
Beber, beber
E me embriagar

Bêbada, sair numa viagem louca
Passear nas palavras da página de um livro
Em meio às flores de um campo de girassol

No revoar com os corvos
No parque

Nesta viagem, sou eu e sou todas

A sombra da pedra da manha orvalhada

E, como bêbado perdido na mais pura noite
Quero beber-te continuamente
E, no traçado torto de meus passos
A cada gota eu me aqueço
A cada gota eu me perco

E, no entanto, eu me acho
Sempre um pouco mais.


(*) reeditado

domingo, maio 23, 2010

Aprendiz

sou eterna aprendiz,
aprendiz de mim mesma,

a cada dia me descubro outra,
aprendo mais, descubro novas facetas,
novos amores,
me descubro mais mulher e mais menina,
são novos sonhos, novos medos,
é um eterno aprender,

com paciência ensino a menina mulher,
a dar os seus passos,

como criança se deslumbra com o novo,
se encanta com as flores,
brinca com a sombra e as borboletas,

como mulher se deslumbra com a vida,
com o renovar do amor,
a sedução do sexo,

menina, mulher, amante,
bruxa, poeta, mãe
tantas que se encerram em mim,

abro a porta e as liberto,

agora,
lá no meu céu brilham todas.

quinta-feira, maio 20, 2010

Constelação

carrego em mim muito mais que lembranças,
carrego a história, o peso,
carrego toda a dor de meus antepassados,
a liberdade perdida,
o casamento forçado,
as vidas tomadas,
o peso da morte,
o peso da solidão,
o abandono,

carrego em mim as culpas,
culpas da omissão, culpas da agressão,

carrego em mim, o sofrimento, a dor da humilhação,
a mãe que se foi mais cedo, os filhos que não nasceram,
a vida interrompida,
toda a luta mais que merecida,

insetos presos nas teias emaranhadas,
vidas que se repetem, cruzadas,
sentimentos que não são meus,
trilhas traçadas em pegadas alheias,
passado eterno de um retorno presente,

mas, hoje me despeço e rendo a homenagem,
a todos, heróis de suas vidas inglórias
reconheço, agradeço, me liberto

as minhas costas forças se elevam,
à frente, minha trilha e meus passos,

enfim, sou eu,
peregrina do meu próprio destino,
sem adereços, sem bagagem, somente eu.

terça-feira, maio 18, 2010

Ponto de Interrogação

seria mais simples
ter todas as respostas
não me revolveria
de dentro prá fora
numa acrobacia irregular

viveria sem angústias
“no doubts”
caminharia mais leve
sem o peso da decisão
o de não decidir por ir, ou ficar
o de ser ou não ser
um sim ou um não…

mas pensando bem…
o que seria eu, sem o ponto de interrogação?

sábado, maio 15, 2010

Presente de aniversário

A você, no seu aniversário, desejo muita luz, muito amor, estrelas no céu para iluminar seu caminho. Você foi inspiração de vida, missão aprendida, apoio no meu caminhar, promessa de felicidade. Não me esqueça e olhe sempre por mim. Desculpe-me se não fui uma aluna tão aplicada e deveras teimosa. Pra você o poema abaixo que é seu! Grande beijo!

algumas vezes não me recordo da cor do seus olhos,
mas as lembranças me levam…
como folha ao vento,
trazendo imagens de ontem,
impressas num filme antigo,
em branco e preto,

lembro-me de dedos cegos,
que trilhavam caminhos,
de uma boca sôfrega,
que sugava-me os seios,
de quadris arquejantes...

e eu, a te observar dormindo,
velando teu sono,
na tarde triste,

transcorriam segundos, minutos, séculos,
do meu posto de guardiã,
eu eternizava o momento.

quarta-feira, maio 12, 2010

Coerência insensata e/ou Incoerência sensata *

Por que me cobram coerência em atos
Quando meus discursos desatam?
A incoerência é sensata.
Prefiro não ser o eu dos momentos distintos,
Prefiro dizer não aos meus credos tão ricos,
Sagrados de outros momentos,
Que não o agora,
Agora, já não sou mais eu,
Fui eu ontem,
Hoje sou outro eu,
O de ontem gostava de nietzchie
ouvia Wagner,
E arquitetura de linhas retas,
O de hoje lê poesia,
ouve Bolero de Ravel,
E, talvez, Carmem de Bizet,
Construção com linhas mais elaboradas,
Entre o eu de ontem e o eu de hoje,
Há toda uma distância dicotômica de quereres,
Minha defesa não se sustenta em discursos vazios,
Rejeito a retórica pura e simples,

E, como naufrago no instante,
abraço a incoerência da vida,
Incoerência dos atos,
Incoerência das palavras,
Incoerência dos quereres,

As coerências não se falam,
Simbologia metafísica nesses universos paralelos,

Meu Deus, que dimensão é essa que me cobra sensatez e coerência?

Cansada, viro pro lado e tento dormir,
Não o sono dos justos,
Pois, para este falta-me merecimento,
Mas, o sono dos incoerentes
Desses, que caminham ao acaso
Sem saber pra onde ir.


(*) reeditado

domingo, maio 09, 2010

Noite chuvosa

ouço a chuva lá fora,

o vento na janela,
a noite chora.

em cumplicidade com a chuva e com a noite, também choro,

a água da chuva lava o escuro da noite,
minha alma, molha plantas, ruas e pensamentos,

suas lembranças chovem na noite,
molham minha alma, meus pensamentos, minhas ruas,

caminho noite a dentro, sou a chuva que molha, a noite que cai,
o vento que sopra,

no caminho busco contornos, contorno da noite,
você,
busco você na noite,
na chuva,
na memória,

te busco na noite chuvosa.

sexta-feira, maio 07, 2010

Momento (reeditado)

o carro em movimento
cruza sinais, ruas, esquinas
a noite se incipienta

no rádio toca uma balada em notas altas e cinzas
notas escuras feito a noite e o vazio
balada que fala de amores perdidos
de dores, de desejos, do ontem, do hoje e de um futuro

me deixo levar pelas notas
me deixo levar pelo vento
me deixo levar pelo momento
momento de doce abandono

bailarina na sala ao lado
praticando no silencio
embalada por memória
música do ontem
que envolve e cobre
feito véu de seda
que escorrega e desnuda

despida me apresento
tão pura e tão nua

e, me ofereço
em sacrifício, de vida

ser
recém nascido
sem máculas
inocente, leve e transparente

o que sinto, o que sou
não explica a angústia do momento
nem traduz a angústia da horas

tempo passado e tempo futuro
não convergem para tempo presente

convergem para um não viver do agora
impermanência dos sentidos e,

um querer eternizado de existência.

quinta-feira, maio 06, 2010

Segredos

Meu segredo, ah...
é ser como cadela no cio
deixando você se embriagar com
meu cheiro e se perder
em mim.

Meu segredo talvez, seja a minha loucura
minhas crises de choro
meu amor pela vida
o meu cheiro doce
meu jeito moleque
de sorriso maroto
o mal humor habitual,

talvez, eu nem tenha segredo
sou clara, cristalina
como chuva que vem e lava.

segunda-feira, maio 03, 2010

Viver

quero brincar de faz de conta
e fazer de conta que sou tua
nas linhas das entrelinhas
uma história se faz

um toque ingenuo
um gesto ao acaso
detalhes ricos
guardados em caixas bem seguras
feito tesouro escondido

a vida é feita de vida
entao, que a vida seja assim
bem vivida

cheia de amores e paixões
e de dores de cotovelo

e cheias de manhãs
que é pra gente recomeçar
e fazer tudo de novo