[ Trazia na algibeira, fumo, uma garrafa de pinga e uma foto esmaecida de sua mãe quando mocinha. O sol queimava-lhe a pele, os miolos não, porque o chapéu velho protegia. Olhou pra longe e deu uma preguiça miserável de cavalgar até onde a vista alcançava. Sentiu saudade da infância onde o mais longe que se via era o curral e o vulto negro das vacas. Agora estava ali, fadado que nem alma penada a comer poeira debaixo de um sol escaldante. Reviu a mulher desdentada que sem perguntar havia previsto que morreria sozinho num lugar distante. Longe estava e bem distante por sinal, só restava agora morrer, pensou em um rasgo de humor negro. Cuspiu o fumo, olhou o céu e ponderou que a morte naquele instante parecia um cenário bem mais agradável que o visto de cima do lombo daquela mula velha. ]
[ Cafés fumegantes, bocas e um sorriso vermelho, a árvore cúmplice tudo ouvia. Sentiu-se incomodado com as folhas tremulantes que pareciam rir de suas palavras trôpegas. Olhou nervoso, buscando outro sitio para sentar, sem saber como explicar que fugia de uma árvore intrusa que ouvia seus segredos. Ah, além de ridículo percebeu-se também louco, e ali, bem ali, entre a árvore e os dentes, se deu conta de que a vida, na verdade, era uma encenação boba de uma peça qualquer de algum autor entediado. ]
[ Releu mais uma vez a carta, promessas de amor eterno, amassou entre os dedos e os seios, suspirando um desejo morno. Escondeu a missiva entre as partes pudendas, gostava assim de carregá-lo rente ao corpo, insinuando um pecado histórico. Suspirou novamente, arrumou o cabelo e resoluta foi preparar o chá, de Rosas Brancas, pra combinar com sua tão preciosa castidade. ]
18 comentários:
Desde que frequento este blog - e já faz um bom tempo -, tento postar um comentário. De um lado, vários problemas de neurônios etc. De outro, a questão do leitor. E é esta que venho tentando postar há quase uma hora, e pedi socorro. Então lá vai. Convivem em mim dois leitores. Um que vive de gozo, puro prazer em ler. Este sobressai. O outro, quer interpretar, gerar significados, sentidos... Sempre acaba perdendo. Prefiro o primeiro, que permanece em gozo, sorvendo as palavras sem se preocupar com aquilo que "ela" quis dizer e mais satisfeito com aquilo que eu, leitor, preferi perceber. Egoísta? Não. Confortável. João."
Patrícia, tô aqui me deliciando com esses fragmentos de personagens
gostei sobremaneira do segundo :)
beijos
Hey, que conto bom, menina...Chá de Rosas Brancas para as caméilias e carolas... amo a ironia e teu escrever prende sempre.
Um beijo grande e sempre carinho.
Carmen Vidrágaus.
Esse pecado histórico e letrado está o máximo!!! :)
beijoss
Mulher, isto tá bom demais da gota serena.
Onde estão os outros parágrafos que foram suprimidos?
Se isto não é um romance ou um conto, já tens aí um belo de um arcabouço literário.
beijos!
quem, em determinados momentos, não sentiu como os personagens de sua linda postagem, né?
Caro anônimo, vou editar um passo a passo de como comentar, considerando que vários amigos encaram o mesmo problema.
A coexistência pacífica de múltiplos papeis ou personagens é benéfica, um complementa o outro. Enquanto um questiona e se frustra o outro compensa no gozo fácil.
Please yourself!
Andrea, também gostei do segundo, é a minha cara!
bjs
Carmem, carolas pedem ironias, sempre!
Obrigada, que bom que gostou!
beijos
Helcio, uma mula dando coice e espalhando os segredos das folhas e das palavras.
Não estamos seguros em em cima de um lombo, à sombra da arvore, muito menos gestando palavras estranhas nas entranhas.
Bípede, esse pecado histórico macula nossa existência!
beijos
Júlio, que bom que gostou, mas esse caminho é longo e não sei se conseguiria trilhar, não tenho disciplina!
beijos querido!
Charles, obrigada pela visita!
Felizes somos nós que podemos experimentar momentos na pele de personagens, e melhor, customizando os cenários!
Seja bem vindo!
O talento supera a disciplina. (sapere Aude!)
Neste passeio, a que não resisti, revejo e releio. Creio que, aos poucos, estou perdendo "aquela preguiça miserável de cavalgar até onde a vista alcançava". É isso. Eu estava preguiçoso. J.H.
Quem não se perce às vezes louco, às demasiado normal? J.H.
Esse truncou todo: "Quem não se percebe às vezes louco, às vezes demasiado normal?" J.H.
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